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18/05/2022

Aluno do Programa de Residência Multidisciplinar em Saúde Mental produz trabalho de reflexão sobre a Luta Antimanicomial

Nesta quarta-feira (18), é celebrado nacionalmente o Dia da Luta Antimanicomial. A luta antimanicomial teve início na década de 1970, e tomou força em 1987, durante o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental. Na ocasião, 350 profissionais da saúde mental foram para as ruas do município de Bauru, em São Paulo, defendendo o lema “Por uma Sociedade sem Manicômios”, onde divulgaram o “Manifesto de Bauru”.

De encontro com a data, o aluno João Gustavo Farias Ribeiro, que está cursando o segundo ano do Programa de Residência Multidisciplinar em Saúde Mental da Escola de Saúde Pública do Paraná — Centro Formador de Recursos Humanos (ESPP), produziu um trabalho sobre a Luta Antimanicomial. Confira o texto na íntegra:

“Um dos principais objetivos da luta antimanicomial é garantir que pessoas com transtornos mentais ou vivenciando sofrimento psicológico, tenham seus direitos básicos respeitados pela sociedade e sejam tratadas de forma digna. Dentro desta luta, vários esforços vêm sendo feitos nas últimas décadas para promover uma transformação cultural, no modo como as pessoas percebem os transtornos mentais e uma mudança nas práticas de assistência à quem está vivenciando sofrimento psicológico.

Em culturas como a nossa, pessoas passando por um sofrimento grave, ou que se comporte de modo muito diferente do esperado pela norma, podem ser rotuladas e estigmatizadas como loucas, e sofrerem discriminação, exclusão e diferentes formas de violências. Por muito tempo e atualmente, essas pessoas vão parar em manicômios ou hospitais psiquiátricos, locais que supostamente deveriam ajudar, mas que muitas vezes pioram a situação.

Na prática, muitos manicômios acabaram funcionando como locais onde as pessoas eram isoladas do convívio com suas famílias, torturadas, humilhadas e até mesmo mortas. Muitas pessoas foram internadas nestas instituições, sem qualquer diagnóstico prévio e sem perspectiva de alta.

Ao longo das últimas décadas, várias situações foram expostas onde as pessoas eram tratadas de forma completamente desumana e violenta dentro dos manicômios. O Hospital Colônia, em Barbacena, no Estado de Minas Gerais, por exemplo, foi o palco do que ficou conhecido como Holocausto Brasileiro, abrigando 25 vezes mais pacientes do que sua estrutura física suportava. Entre 1930 e 1980, ocorreu um extermínio neste local e cerca de 60 mil pessoas morreram lá, sendo que sua maioria não havia sequer recebido um diagnóstico. A maior parte das pessoas institucionalizadas eram negras, homoafetivas, em situação de rua, opositores políticos, prostitutas ou que não se adaptavam socialmente. Ou seja, pessoas discriminadas pela sociedade. O hospital psiquiátrico acabou se transformando em um local de isolamento da sociedade e extermínio daqueles que fugiam dos padrões sociais da época.

A precariedade era um dos principais fatores encontrados nos manicômios do Brasil e do mundo. Fator este que motivou o início da Luta Antimanicomial, movimento antimanicomial. O psiquiatra italiano Franco Basaglia foi um dos pioneiros no movimento em prol dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. O mesmo inspirou o fortalecimento da luta antimanicomial em vários países, contribuindo para que a Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana fosse aprovada em 1978, servindo como base para que em 2001, a Lei 10216 ou Lei Paulo Delgada, fosse aprovada aqui no Brasil.

De acordo com a Lei 10216, pessoas com transtornos mentais deveriam ter seus direitos básicos respeitados, ter acesso às informações detalhadas sobre suas condições, receber tratamentos adequados e serem protegidas de qualquer forma de violência, entre outras.

Um avanço importante para a Luta Antimanicomial, foi o fechamento gradual das instituições manicomiais, substituindo o cuidado por outra forma de assistência. Na lógica manicomial, as pessoas em sofrimento psicológico deveriam ser segregadas da sociedade para serem curadas, e seus direitos podem ser deixados de lado. O cuidado na perspectiva antimanicomial segue que os direitos das pessoas devem ser sempre respeitados, seus vínculos e relacionamentos devem ser fortalecidos, sendo a internação um recurso a ser utilizado em último caso, com o objetivo principal de facilitar a reinserção social do paciente o mais breve possível.

Assim, no lugar dos manicômios, buscou-se expandir a rede de atenção psicossocial em todo o território nacional, buscando oferecer acolhimento e tratamento para diferentes formas de sofrimento. A rede inclui, por exemplo, os Centros de Atenção Psicossocial, os Serviços Residenciais Terapêuticos, as Unidades de Acolhimento, os Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral e o Programa de Volta para Casa.

Dessa forma, pessoas com transtornos mentais graves conseguiram acesso a um tratamento público mais humanizado e qualificado com equipe multidisciplinar. Para alcançar seus objetivos, a Luta Antimanicomial depende não apenas do fechamento destas instituições, mas de uma mudança cultural na maneira como as pessoas com transtornos mentais são vistas e tratadas na sociedade.

Mesmo com essas mudanças, nota-se o interesse de algumas pessoas traçar uma caminhada em direção à volta dos manicômios. A história de que pessoas com transtornos mentais são violentas ainda é bastante difundida. Essa ideia constrói uma narrativa social em que a pessoa com sofrimento psicológico deva recorrer ao internamento, já que supostamente representaria um risco para a sociedade.

Vários avanços importantes no campo da saúde mental no Brasil foram conquistados devido à Luta Antimanicomial. Contudo, nos últimos anos, esses avanços vêm sendo progressivamente ameaçados. Os recursos direcionados à Rede de Atenção Psicossocial vem diminuindo e o financiamento de instituições de internamento vem aumentando, além da ameaça de revogação de portarias que garantem partes muito importantes das políticas públicas de saúde mental que existem no Brasil. Isso acarreta na suspensão de vários programas voltados ao atendimento humanizado e psicossocial dos pacientes de saúde mental, além dos programas de desinstitucionalização.

A volta das instituições manicomiais é de interesse político e econômico de algumas pessoas no Brasil. Por isso, a Luta Antimanicomial é também uma luta em defesa do Sistema Único de Saúde e dos Direitos Humanos. A Luta Antimanicomial é uma luta pela democracia, pela saúde mental e pela dignidade do ser humano. Suas conquistas representam a proteção para todas as pessoas da sociedade, não apenas para aqueles com transtornos mentais".

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